terça-feira, 2 de agosto de 2011

EM DEFESA DA ACADEMIA FLUMINENSE DE LETRAS



Roberto S. Kahlmeyer-Mertens
Membro da Academia Niteroiense de Letras

O estado é o representante da autoridade política exercida sobre a comunidade. Tal órgão representa ainda a garantia de direitos indispensáveis aos cidadãos em sua vida individual e coletiva, dentre os quais estão: a educação, a saúde, a segurança e a cultura. Em contrapartida, a sociedade civil é aquela que desempenha horizontalmente seu papel político de maneira solidária e transformadora dos costumes. Para tanto, serve-se de recursos racionais provenientes do conhecimento técnico-científico, da ética jurídica e da expressividade das artes (dentre as quais se destacam as letras).
No quadro acima seria possível uma relação equilibrada entre a regulação do estado e as ações autônomas da sociedade civil, tênue equilíbrio proporcionado pela busca racional de uma autonomia da vida pública e privada – tal como projetada pela tradição liberal da Modernidade –. Entretanto, parece haver uma tendência de expansão da ação reguladora do estado ao espaço da atuação social, extensão talvez motivada pela falsa impressão de que os princípios da sociedade seriam abstratos e sua expressão pouco significativa. É preciso lembrar, contudo, que é deste segundo segmento que surgem os valores que caracterizam esta comunidade como um todo dotado de identidade social e cultural. Deste mesmo segmento (e das competências cognitivas, práticas e estéticas ali desenvolvidas) surgem os sujeitos e instituições culturais capazes de transformar a sociedade e de pensar livre e criticamente sua relação com o poder público.
Costuma-se chamar de “intelectuais” sujeitos e instituições que não estão comprometidos com o estatal, diligando ambivalentemente no campo da cultura pura e da livre reflexão política. Um exemplo de instituição intelectual é a Academia Fluminense de Letras que, atuando da maneira descrita, contribui com a guarda e o desenvolvimento de nossa cultura letrada, manifestando publicamente sua autoridade específica em favor coletivo sempre que requisitada.
Estabelecida desde 1934 no prédio da Biblioteca Estadual Ministro Geraldo Montedônio Bezerra de Menezes, a AFL ocupa um espaço especialmente projetado para sua sede. Nesta sala (cedida à instituição de acordo com a Lei 2.126, de 7 de novembro de 1927) ocorrem reuniões, atividades administrativas e tem abrigo um precioso acervo bibliográfico. Apesar da lei, do uso e do reconhecimento amplo, a Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, dirigida por Adriana Rattes, cogita desalojar a AFL do espaço que lhe é de direito por lei especial.
Ora, quando uma instituição cultural de reconhecida utilidade pública corre o risco de ter seu espaço vital restringido; quando o funcionamento de uma instituição acadêmico-literária com décadas de serviços prestados se vê ameaçada; quando a atuação do estado vai contra uma legítima representante da sociedade, é hora do engajamento na causa de sua defesa. A palavra “engajamento” reveste-se, aqui, de seus mais autênticos brios. Engajar-se é tomar parte em uma causa que não serve apenas aos interesses particulares de uma academia e de seus acadêmicos, tampouco a uma comunidade letrada. O que está em jogo é a luta pelo interesse de uma instituição pertencente à sociedade fluminense, sociedade que certamente ficaria mais pobre sem a ação desta casa fomentadora de cultura.
Em se tratando de uma instituição pública, uma intervenção popular em sua defesa deve partir dos intelectuais. Seria a hora destes interromperem sua produção cultural para demonstrar sua mestria no trato da questão política. Criticando a ação da Secretaria de Cultura do Governo do Estado do Rio de Janeiro, os intelectuais devem também ser responsáveis por forte mobilização em defesa da referida academia. Por sua vez, também as demais instituições intelectuais precisam defender incondicionalmente a Academia Fluminense de Letras. Não pela exigência burocrática de apoiar aquela cuja posição e importância só estão abaixo da Academia Brasileira de Letras – ABL, mas pelo fato de que o silêncio e a passividade, nesse caso, encorajariam novos atentados contra a existência dessas casas de cultura, desconsiderando suas contribuições, além de seu capital intelectual e simbólico.
Intelectuais, sejam eles sujeitos ou instituições – se de fato são intelectuais! – não podem se furtar ao engajamento na luta em defesa da sede da Academia Fluminense de Letras. Mais que o patrimônio, temos estritamente em jogo a dignidade de uma instituição e, em sentido amplo, a memória, as letras, a cultura e o direito da sociedade fluminense.