sexta-feira, 13 de maio de 2011

CREIO NA EDUCAÇÃO

Para ser educador é preciso:
- acreditar no ser humano educável
- acreditar que é possível  modificar a sociedade
- gostar do que se faz
- amar o ser humano
A ação educativa exige preparação de qualidade, exige planejamento, exige profissionalismo. Mas, sem dúvida, na visão de La Salle, há exigências de outra ordem, a ordem do ser, do sentir-se, do tornar-se cada dia. Este é o grande desafio de quem abraça, de forma integral,  o caminho de educar. Por isto pode orar o CREIO.
Creio na educação porque humaniza,
busca o novo, é geradora de conflito,
preparando para a cidadania.
   Creio na educação porque acredito na pessoa humana
   sujeito de sua história,
   capaz de transformar e construir relações de VIDA
Creio na educação que, quando libertadora,
é caminho de transformação,
é caminho de construção de uma nova SOCIEDADE.
   Creio na educação que promove a pessoa,
   transforma e socializa,
   educa critica e democraticamente.
Creio na educação que é um processo de libertação,
levando o ser humano a conhecer a si e ao outro.
   Creio na educação porque creio no carisma
   de todo o educador da fé.
   Creio também na sua consciência de ser um eterno aprendiz.
E, assim sendo ...
Creio na educação como um processo permanente
que acompanha o ser humano em todo sua existência.
(Educadores segundo La Salle - Antonio Puhl)


O EDUCADOR NA VISÃO DE LA SALLE

 Ainda lembrando de sua festa, dia 15 próximo.
La Salle, homem de fé, fez-se educador na medida em que foi respondendo aos sinais de Deus em sua trajetória de vida. Foi-se descobrindo educador, vivendo tal realidade. E, do educador cristão espera-se a mesma coisa: fazer-se educador todo o dia.
Já dizia Spranger que "se  educação é impelir a alma alheia para que se encontre a si mesma, é preciso que a pessoa que o faz tenha firme sua própria segurança. Ou, com outras palavras: deve chegar a possuir em si a vida grande e sagrada que deseja despertar no outro... Quando falta a fé, não é possível de nehuma forma uma relação pedagógica. O mero mandato oficial não o faz, não cria uma relação essencial pedagógica e não "cria", isto é, não alcança o profundo enobrecimento, porque  para isso, além do mandato, é necessária aquela "paixão do espírito", que é para nós o núcleo do educador". (Eduard Spranger).
Fala-se da paixão do espírito, da paixão de ser educador, que é plenitude de ser. Não se "está" educador, mas se "é" educador, em  todo momento e em todos os lugares. Desta forma, educador é a pessoa que investe suas energias plenamente no desenvolvimento do ser humano.
Já Alfredo Morales (Desafio de ser educador) nos diz que "o educador está situado no próprio coração do desafio humano: tal é a grandeza e a importância de sua vocação. Mas, para que seja realidade, é necessário, antes de tudo, que o próprio educador creia no que está fazendo, isto é, que tenha fé em sua vocação educativa".
Para se aprofundar uma espiritualidade  de educador é preciso ter percepções bem seguras, capazes de dar sentido à vida e ao fazer pedagógico como um todo. Esta é a maneira de encontrar sentido no que-fazer e na luta do dia-a-dia das coisas que são necessárias para ser um educador competente e, de alguma maneira, carismático. La Salle desenvolveu  esta espiritualidade  em sua vida e quer que o educador cristão também a abrace como construção constante. Ela emerge e se mantém firme à medida em que os tempos passam e a vida é consagrada à educação. Assim, tudo passa a ter sentido e, uma sentido maior à luz do Espírito. Afinal, é o Espírito que conduz a vida do educador.


LA SALLE NA EDUCAÇÃO

Antônio Puhl

No próximo dia 15 o calendário apresenta a festa de La Salle (São João Batista de La Salle - 1651-1719). Quais as contribuições atribuidas a ele no campo da educação?
A resposta à pergunta acima vamos encontrar no livro "Educadores segundo La Salle", de minha autoria, no qual eu simplesmente sintetiso as conclusões a que chegou Edgard Hengemülle, em seu livro "La Salle, uma Leitura de Leituras". Hengemülle diz que "há um conjunto de aspectos que os autores acreditam como contribuições de La Salle no campo da educação, que são os seguintes:
1- O haver cooperado para a progressiva generalização do ensino, considerando-o uma necessidade para as crianças e um dever dos responsáveis por elas, permitindo o acesso a ele pela gratuidade universal.
2- O haver reconhecido "o valor da escola popular" e haver-se entregue à sua promoção.
3- O haver concorrido para o surgimento da "civilização escolarizada", isto é, a organização de um espaço e de uma prática escolares, especialmente a nível primário.
4- O haver influído no estabelecimento de um currículo preciso da escola primária gratuita.
5- O haver participado significativamente na utilização da língua materna como base do ensino elementar.
6- O haver ajudado na melhoria tecno-pedagógica da escola primária, particularmente com a adoção do modo simultâneo de ensino.
7- O haver marcado presença em várias frentes de ensino, particularmente no ensino elementar moderno e no esboçar-se do ensino secundário e da educação emendativa.
8- O haver preconizado e praticado uma pedagogia fundamentada no conhecimento do educando.
9- O haver colaborado para amenizar a disciplina escolar.
10-O haver elevado o conceito do professor primário; o havê-lo caracterizado como profissional e o haver impulsionado  seu preparo, com a criação da Escola Normal para o professor primário leigo.
11- O haver redigido um manual clássico em pedagogia: "O Guia das Escolas Cristãs".
12- O haver criado a primeira congregação docente constituída só de religiosos não sacerdotes, que continuou e internacionalizou a sua ação educativa.
Para uma compreensão ampla de cada ítem citado, recomendo a leitura da obra citada onde Hengemülle desenvolve as diversas contribuições de La Salle no campo da educação.



quarta-feira, 11 de maio de 2011

O Estado do Rio e sua literatura: uma viagem prazerosa e instrutiva

Cunha e Silva Filho


No ano passado, publicou-se um livro relativamente pequeno ainda não suficientemente divulgado, Viagem literária através do Estado do Rio, (Niterói: Nitpress, 2010, 190 p.), organizado pelo professor Luiz Antonio Barros, professor de língua portuguesa do Colégio Militar do Rio de Janeiro, autor didático, dicionarista meticuloso, estudioso sobretudo de questões etimológicas e semânticas. O livro traz um primoroso prefácio do escritor Roberto Kahlmeyer-Mertens e iluminadoras orelhas de Luiz Augusto Erthal.
O autor, com mais esta obra, confirma seus inegáveis dotes de um pesquisador que sabe como encontrar o melhor caminho de reunir seu material pesquisado, no caso, autores nascidos no Estado do Rio de Janeiro.Contudo, reunir não é o suficiente para este pesquisador, porque ele avança no que está realizando, i.e., compõe uma antologia de escritores, inserindo os de maior projeção e outros de menor projeção ou quase desconhecidos, como Max de Vasconcelos (1891-1919), Walter Siqueira, Menezes Wanderley, dos quais nem dados biobibliográficos sequer encontrou o antologista. Outro, entre outros citados pelo organizador seria o poeta satírico e ator profissional, José Inácio da Costa, pseudônimo de Capacho, que viveu no Rio de Janeiro durante o vice-reino pré-joanino, de quem pouco se sabe e nem mesmo onde e quando faleceu. Disso resulta uma antologia enxuta, agradável, que, na verdade, nada tem das velhas fórmulas de se organizar uma antologia, cuja metodologia consistia apenas em reunir autores, fornecer-lhes dados biobibliográficos e selecionar excertos que melhor atendessem à subjetividade do organizador ou dos organizadores. Naturalmente, esta subjetividade será traço comum a qualquer organizador de antologias.
Para alterar esse modelo já gasto, Luiz Antonio opta por uma forma diferente e mais amena de aliviar o leitor, já que a reunião de autores e textos diferentes torna-se por vezes cansativa, quando prolongada no seu tempo de leitura. Para suavizar essa monotonia, o organizador resolveu, de forma original, apresentar seus autores sinalizando os escritores por grupos geográficos específicos, com capítulos ou seções sugestivos e aliciantes, como, por exemplo, o primeiro capítulo intitulado “Por lagos e mar há algum tempo navegados”.
Pode-se dizer que a antologia abrange a totalidade das cidades do Estado do Rio de Janeiro. Se há omissões de autores, e, neste gênero de publicação sempre os há, creio que não foi por culpa do antologista.
Outra novidade introduzida por Luiz Antonio foi a oportuna e eficaz ideia de, até por associá-la ao próprio título da antologia, fornecer breves informações históricas, etimológicas, econômicas, paisagísticas e culturais sobre a cidade ou região que precedem cada escritor incluído, além de, em alguns casos, resumidas apreciações críticas a respeito de obras significativas dos autores, assim como dados biobibliográficos na medida do possível e do que o autor conseguiu colher das pesquisas por ele empreendidas.
Fica-se sabendo o quanto de valores literários permanecem olvidados pelo povo, mesmo por especialistas em literatura brasileira. Obviamente, a quantidade de autores menores é grande, mas se descobre afinal que, entre os esquecidos, há deles de real valor literário, que são dignos de estudos por parte dos estudiosos de literatura. Já por isso vale a pena conhecer esta antologia.
Quanto aos textos selecionados, vejo que o organizador teve bom gosto e foi criterioso, ele que é um experiente professor e um assíduo leitor de literatura brasileira. Nestes textos, o leitor atento, o professor de literatura, hão de encontrar material inestimável para a sala de aula. Eu, particularmente, me surpreendi com nomes de autores merecedores de estudos pela qualidades de suas obras e pelo quase anonimato em que se encontram no panorama da literatura brasileira, tanto do passado quanto da atualidade. A antologia de Luiz Antonio tem este mérito, o de suscitar o interesse por esse autores pouco ou quase nada conhecidos por especialista, Acredito que isso é uma realidade de âmbito nacional, de solução quase incontornável. A literatura é também feita de injustiças por parte de historiadores.
Seria conveniente ao organizador que mantivesse as partes da antologia uniformes, o que vinha acontecendo sem problema até à citação do escritor Wanderlino Teixeira Leite Netto (p.175). Até aí o organizador vinha inserindo textos correspondentes a cada autor, ficando de fora desta norma, infelizmente, os nove autores que finalizam a antologia.
O organizador às páginas 108-109, discorrendo sobre a cidade de Porciúncula e a origem do seu nome, desta vez não inclui, nenhum escritor. Apenas cita um comentário de dois autores sobre a expressão diminutiva “porciúncula”, que, para eles, não vem a ser o nome pelo qual foi designado aquele município. Para eles, Porciúncula foi assim chamada simplesmente por homenagem a Tomás de Porciúncula, o qual fora Presidente (ou Governador) do Estado do Rio de Janeiro. O texto “Armadilha da sardinha coqueiro”, ali selecionado, aliás, bem interessante pelo seu bom nível literário- humorístico apenas se incluiu, penso eu, pela relação geográfica com o município. Neste caso, o organizador foge ao plano geral da natureza do livro.
Na questão da inclusão de nomes na antologia de Luiz Antonio, que é um nó górdio de qualquer antologista, e que muitas vezes provoca polêmicas devido às suscetibilidades dos autores não incluídos, teria sido bom que o antologista tivesse incluído o nome da escritora, Roza de Oliveira, trovadora, poetisa, ensaísta, autora de literatura infantil,, admirável declamadora, e professora universitária aposentada,nascida em Santo Antônio de Pádua, Rio de Janeiro e residente há muitos anos em Curitiba. Roza continua atuante na atividade literária, mantendo-se em plena forma com suas oficinas de poesia em Curitiba e divulgando seus trabalhos de poetisa e de consagrada trovadora dentro e fora do Paraná. Não culpo o antologista por qualquer omissão involuntária, principalmente porque, o mais das vezes, durante a organização dos dados coletados, ele mesmo não teve notícia de uma autora fluminense que está fora do Rio há anos e nem pudera encontrá-la em obras predecessoras.
Creio que, com esta nova obra, Luiz Antonio, conforme o fizera com o seu útil Dicionário de ditados, provérbios, alusões, citações e paródias (Niterói: Nitpress, 2008, 317 p.) estará prestando mais uma grande contribuição aos estudos literários, ao mesmo tempo em que sua Viagem literária através do Estado do Rio vem tornar mais conhecidos dos leitores cariocas, fluminenses e brasileiros em geral, e nos diversos gêneros literários, alguns escritores de destaque mas menos conhecidos que, ao lado de Machado de Assis, Lima Barreto, Euclides da Cunha, Fagundes Varela, Casimiro de Abreu e tantos outros, nascidos no Estado do Rio de Janeiro, aí estão à espera de serem agora mais bem estudados, divulgados e pesquisados.
Luiz Antonio cuidou, quer pela capacidade de pesquisador, quer pelas atualizadas referências bibliográficas, antecedidas de siglas que, no corpo do livro, facilitam enormemente o leitor, quer, finalmente, pelo impecável índice onomástico, acrescido da página referente ao autor, de preencher esta lacuna e o fez com competência e dedicação, qualidades que sempre nele apreciei desde quando fui dele colega no Colégio Militar do Rio de Janeiro.

Entrevista do Professor Roberto Kahlmeyer-Mertens concedida à escritora e jornalista Belvedere Bruno.

“Conversações com intelectuais fluminenses”:
livro evidencia capítulo da inteligência no estado do Rio de Janeiro


Roberto (Saraiva) Kahlmeyer-Mertens. Nascido em Niterói, em 1972. Professor e ensaísta. Bacharel, Mestre e Doutor em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Leciona filosofia em diversas instituições de ensino superior em nível de graduação e pós-graduação. Membro da Academia Brasileira de Literatura – ABDL, Cenáculo Fluminense de História e Letras, Academia Niteroiense de Letras – ANL. Autor de: Filosofia primeira – Estudos sobre Heidegger e outros autores (2005), Tempo e caminho (2006), Linguagem e método. (2007), Verdade-Metafísica-Poesia (2007), Heidegger & a Educação (2008), Opúsculos (2008), Fenomenologia do haicai (2010), Conversações com intelectuais fluminenses (2010).



Por que chamar o livro de conversações?

Acho mais simpático pensar o livro como um feixe de conversas, ao invés de considerar o que há em seu conteúdo como apenas entrevistas; até porque, o livro foge do formato jornalístico, não possuindo caráter informativo. É um livro de conversas, de conversações que registram traços da formação das personalidades que ali constam, documentando sua interface pública, ideias e engajamentos e, em alguns casos, os resultados de suas pesquisas, temas cuja leitura pode interessar tanto ao leitor leigo quanto aos acadêmicos. Essas conversações foram captadas da maneira o mais espontânea possível. Daí o entrevistado interagir comigo de modo informal e livre. Tal espontaneidade, somada à pluralidade de perfis intelectuais, foi responsável pela estruturação simples do livro, que se absteve de agrupar os entrevistados em categorias ou de fazer classificações. Entendemos que, com isso, obtemos a forma adequada para esta interessante matéria.

O que o motivou a organizar um livro de entrevistas com intelectuais fluminenses?

Esse tipo de publicação é mais comum do que se pensa fora do Brasil. Há alguns anos, o jornal francês Le Monde reuniu entrevistas colhidas durante a década de 1980 e publicou-as em compêndios temáticos. Em nosso caso, o livro surgiu da necessidade de registrar um cenário intelectual em um momento especial para o Estado do Rio, um momento no qual (depois da fusão com o Estado da Guanabara) se volta a perguntar o que significa ser fluminense. Buscamos, então, ter uma imagem da identidade, da inteligência e do que se chamamos “cultura fluminense”. Tal proposta se coadunou a muitos dos pontos do projeto político editorial da Nitpress, o que fez com que seu publisher Luiz Augusto Erthal a “comprasse” sem hesitar. Achamos, assim, que a temática da identidade fluminense seria algo possível de ser colocada a partir da retomada de uma pergunta já feita por muitos, mas que continua sem uma resposta cabal, a pergunta sobre o que significa ser intelectual. 

Em um universo tão variado, por que exatamente os intelectuais?

É verdade, poderíamos ter nos ocupado dos políticos profissionais, dos empresários ou de qualquer outra categoria com representatividade pública. No entanto, buscamos esses que tratamos genericamente por intelectuais por acreditar que eles possam nos fornecer uma imagem mais lúcida do nosso momento sócio-político-cultural. Os intelectuais, no meu entender são aqueles que encabeçam muitas das transformações sociais. Nesses casos, ouvi-los é imprescindível, se posso julgar.

Que entendimento você tem de intelectual?

É um conceito de grande envergadura, e pelo que pude perceber não existe “O intelectual”, mas intelectuais. O que chegou como uma impressão, logo virou certeza por meio da leitura de teóricos que exploraram o tema mais a fundo. Daí, termos Gramsci falando do intelectual engajado, representante de uma classe social; Foucault indicando o intelectual específico, geralmente um erudito que se ocupa de questões mais acadêmicas sem ter militância... Se um perfil, ainda que pálido, pode ser traçado a partir de pontos comuns entre todos esses, diria que intelectual é todo possuidor de habilidades e competências específicas, que normalmente reverte o benefício de seu mister à sociedade, mas não só isso, é também aquele que defende intransigentemente o direito da sociedade de desfrutar desses benefícios. Um intelectual é uma figura sobre a qual recaem grandes responsabilidades: não é um título, mas a aquisição de um rol de tarefas.

Todos os presentes no livro são necessariamente intelectuais? Quer dizer, correspondem a este perfil?

Como disse, existem intelectuais e não “O intelectual”. Talvez apenas uma leitura do livro responda esta pergunta (risos).

Vemos no livro diversos personagens que não são fluminenses de nascimento, como isso se explica?

Isso foi algo que definimos como critério de seleção dos participantes de nosso livro. Entendemos que ao tratarmos de intelectuais não poderíamos nos restringir apenas àqueles nasceram no Estado do Rio de Janeiro. Existem muitos nascidos em outros estados e que, radicados no RJ, desenvolveram, por décadas, trabalhos de grande relevância. É o caso de um Leonardo Boff, de Ciro Flamarion Cardoso, Célia Linhares e, ainda, Israel Pedrosa. Não poderíamos descartar essas contribuições sem que nos pesasse a má consciência de estarmos pecando com um provincianismo. Provincianismo foi um vício contra o qual muito nos acautelamos nesta organização.

O livro possui entrevistas com personalidades que mais que apenas fluminenses já são nomes de representatividade nacional (como os nomes que você lembrou) e com outros que podem ser considerados “obscuros”, isso foi intencional?

Sim. Houve a preocupação em mostrar que a excelência de um trabalho intelectual nem sempre recebe a atenção da mídia. Do mesmo, nem toda atuação intelectual está ligada a graus e titulações. Existe gente que traz relevantes contribuições sociais sem fazer alarde; tem muita gente que faz bom uso das ideias em domínio público e que se mobilizada junto a sua comunidade e que nem por isso é filiada às altas esferas acadêmicas ou desfruta de erudições. Ao entrevistar os célebres e os obscuros, como você diz, pretendemos destacar igualmente o que ambos têm a dizer. Neste caso, pouco importa a idade, sua classe, seu credo, sua etnia, seu sexo ou orientação sexual, é a contribuição cultural à sociedade o determinante.

Mas, ainda assim, muitos intelectuais ficaram de fora.

Certamente. Costumo lamentar que este livro tenha chegado tarde para alguns que partiram cedo. Tinha muita vontade de ter registrado uma entrevista com Alberto Torres, Antônio Callado, Jacy Pacheco, José Cândido de Carvalho, Geraldo Bezerra de Menezes, Antônio Carlos Villaça, Rubens Falcão, Geir Campos, José Eduardo Pizarro Drummond... além de alguns de meus professores queridos: Cláudio Ulpiano, José Américo Motta Pessanha e Fayga Ostrower. Quanto aos vivos, já estou selecionando nomes para dar destaque em um segundo volume do livro.

Quais são suas expectativas para com a obra, depois de lançada?

A de que o livro nos proporcionará um instante feliz... Julgo, que o maior serviço que este livro pode trazer, mais até que a difusão do “fait divers” a qual ele se presta, é fomentar a reflexão e o debate sobre como conjugar identidade, cultura e sociedade de maneira esclarecida.

domingo, 8 de maio de 2011

Belvedere Bruno: Um debut literário regado a Vinho branco



Roberto S. Kahlmeyer-Mertens
da Academia Brasileira de Literatura

A mesa foi posta com ansiosa antecedência, a luz baixa das velas e as rosas vermelhas dão um toque de classe ao ambiente e favorecem a proximidade. A garrafa escolhida a dedo já foi para o balde com gelo, mas a atmosfera só se instaurará depois de um brinde. Quem levanta a taça desta vez é Belvedere Bruno, escritora que com Vinho branco, safra especial de contos e crônicas (Livro pronto, 2010) estreia em nossa cena literária.
A obra – cuja principal virtude é a heterogeneidade – traz contos e crônicas em uma disposição artesanal de temas que compõe um cenário repleto de graça (de modo a lembrar copos de cristal com decoração variada numa mesma bandeja). A simplicidade, que faz do livro um trabalho muito verdadeiro e sincero, não prescindiu ali da ousadia. Nossa novel-escritora abre o livro de uma maneira inusitada, causando um impacto estético que precisa ser conferido, mas, sobre isso, a única pista que daremos é a indicação de que a autora sabe que certa dose de suspense (à Poe) bem pode amplificar o deleite da leitura por vir.
Um alerta: não se deixem seduzir pelos títulos, muitos deles são pistas falsas, e onde se espera “Uma mulher, infinitas escolhas”, será possível encontrar a crueza do confronto entre a fealdade humana e a esperança que a vida teima em cultivar; quem vai à procura da prosa intimista e sensualista prometida em “Beleza e sedução” e “Vinho branco” (que nomeia e justifica o título do livro) talvez se depare com uma reflexão existencial, mais sentida do que teorizada; por outro lado, quem julga dever evitar uma crônica com o título embaraçante de “A bengala”, pode estar perdendo a singela ficção que retrata o cotidiano de mãe e filha. No mais, afetos tempestuosos se ocultam por trás de títulos como “O homem e as flores” e “Metamorfose”. Deste último, registremos aqui uma pequena prévia (uma isca, se assim quiserem): “Aquele silêncio, só quebrado em situações especiais, trazia, enfim, a convicção de que se relacionava com um monólogo. Sabia sobre a existência de silêncios enriquecedores, com mais significados que palavras, porém não era o caso. Procurara avidamente motivações que a convencessem a continuar protagonista naquele enredo”. Apesar das indiscrições feitas aqui, por mim, as 119 páginas de prosa que integram o livro ainda constituem inesgotável reserva de surpresas ao leitor.
É uma festa o livro que a autora nos preparou. Nele há o espaço para o flerte sutil com a linguagem, e experiências estéticas que espocam de cada página como fogos de artifício em um parque!
Influências?! Só de longe... em traços não muito nítidos: Artur da Távola ou seria Fernando Sabino? Dalton Trevisan?... Difícil precisar. Há ali um estilo próprio em formação que deverá se consolidar nas próximas obras que certamente virão.
– Belles Lettres, Belvedere! – No sorriso franco de seu livro, mais que um convite, uma promessa literária.

 

Ao prezado Nelson TangeriniI

Nelson Tangerini

Em setembro de 1980, iniciei uma pequena correspondência com o modernista Carlos Drummond de Andrade. A princípio, estava mais interessado em Mário de Andrade, em Oswald, em Manuel Bandeira e em assuntos ligados ao Modernismo. Nem me passou pela cabeça “tietar” o poeta itabirano. Sou desorganizado, um péssimo missivista, e não sei precisar o dia em que lhe escrevi minha primeira carta. Nem guardei cópia da referida missiva.
Sei apenas que enviei a Drummond alguns sonetos do meu pai e alguns poemas meus. Como não consigo lembrar-me dos meus poemas enviados ao “poeta maior”, publico apenas os dois sonetos de Nestor Tangerini, meu pai. “Cenas do Rio” foi o primeiro trabalho de Tangerini publicado em letra de forma e lançado por Humberto de Campos, a 18/3/1922, em centro de página da revista “A Maçã”, que o magnífico e saudoso Acadêmico e beletrista maranhense dirigia sob o pseudônimo de Conselheiro XX. O soneto, dedicado ao amigo Luiz Leitão, um poeta satírico de Niterói, RJ, mostra-nos claramente uma poesia parnasiana com intenções modernistas.

“CENAS DO RIO

Certa dama estava em paz
no ponto, esperando o bonde,
quando se chega um rapaz,
a quem, zangada, responde:

Deixe-se, moço, de graça!
Insiste o moço: - Onde mora?...
- Meu Deus! Que horror!
- Que desgraça! Se vem meu marido agora!...

E a dama, que o caso teme,
diz-lhe, logo, ansiosamente:
“Me” deixe... Moro no Leme...

“Me” deixe!... Sou dona Ivete...
moro à rua São Vicente...
- “Me” deixe... No trinta e sete...”

“QUANDO ELA PASSA

Quando Ela passa, de sombrinha clara,
essa da Moda, esplendorosa Estrela,
pára o automóvel, pára o bonde, pára
o mundo inteiro: todos querem vê-la..

E todo mundo, estático, escancara
os olhos grandes, que se aumentam pela
vontade de envolver-lhe a forma rara
num desejo malvado de comê-la...

E a deusa passa... E passa – indiferente,
sem medo de que o mundo se desabe...
bailando as curvas, desmanchando a gente...

E a gente fica a interrogar-se, à-toa,
como, em dois dedos de vestido, cabe
uma porção de tanta coisa boa!...”

Dias depois, sem que eu esperasse, uma cartinha de Carlos Drummond de Andrade repousava em minha caixa postal. Jamais pude imaginar que o poeta me escreveria. Não me contive. Ali mesmo, na Agência Central, Av. 1o. de Março, afoito, abri o envelope e li sua amável missiva:

“Rio, 28 de setembro, 1980.

Ao prezado Nelson Tangerini.
Com um abraço, meu agradecimento pela remessa de seus poemas e de alguns textos poéticos de seu pai, tão justamente lembrado pelo carinho filial.

Carlos Drummond de Andrade”.

A Flip e o Flup


O artigo abaixo foi publicado hoje pelo jornal O Dia em sua página de opinião.
A Flip e o Flup
Enquanto Paraty se prepara para mais uma edição da internacionalíssima Flip, Barra de São João — distrito e terra de Casimiro de Abreu, maior ícone da cultura fluminense — assistiu no último fim de semana à estreia do Flup. O Festival Fluminense de Poesia, que aconteceu pela primeira vez na Costa do Sol, surge para oferecer ao calendário literário do estado um conceito diametralmente oposto ao da festa que leva nomes famosos e muita badalação à Costa Verde.
Lugarejo histórico, margeado em sua foz pelo maior rio exclusivamente fluminense, Barra de São João também possui um casario colonial, o que contribui para ornamentar a atmosfera romântica que inspirou Casimiro. Porém, a cidadezinha conserva a simplicidade e pureza imprescindíveis ao Flup, uma maratona poética de 24 horas aberta, participativa e democrática.
Apoiado pela Academia Fluminense de Letras, pelo Cenáculo Fluminense de História e Letras, pela Secretaria Estadual de Cultura, pela Prefeitura de Casimiro de Abreu e pela Libre, a liga que congrega as editoras independentes e defende a bibliodiversidade, o Flup reuniu centenas de poetas entre a manhã de sexta-feira e a madrugada de sábado. Foram palestras, painéis, oficinas de leitura, concurso de poesia e sarau poético. A poesia transbordou livre, sem restrições. Tudo ‘free’.
Sem amarras de interesses econômicos, o festival deu vez e voz aos poetas fluminenses, desde grupos organizados até mochileiros que puderam pernoitar em albergues oferecidos pela prefeitura. O resultado foram ondas seguidas de versos revelados ou revisitados. De Alberto de Oliveira, Euclydes da Cunha e Fagundes Varela ao jovem Yago Luiz — um menino de 13 anos cujo poema se classificou entre os dez primeiros no concurso do Flup —, a tradição poética e a própria identidade fluminense fluíram sem restrições.
Naquele lugar bucólico e pacato, Leon Tolstoi, o sábio escritor russo, parece ter sido bem compreendido pelos poetas fluminenses em um de seus conselhos: “Quem quer ser universal que cante sua aldeia”.
Luiz Augusto Erthal é jornalista e idealizador do Flup

Visita a duas livrarias

Cunha e Silva Filho
Ontem, à tarde, fui ao Centro do Rio resolver alguma coisa e aproveitei o lance pra dar um pulinho, aliás, dois, a livrarias, uma de livros novos e famosa, a Martins Fontes, outra, na sua natureza também famosa, um sebo, a São José. Na primeira, logo que entrei, percebi pouco movimento e ninguém para me atender. Havia pessoas, na parte de cima, examinando livros, folheando-os silenciosas. A parte de cima corresponde ao primeiro andar (ou é o térreo em forma de?).
Nessa parte são diversos os títulos, mas, dando uma olhada rápida e geral, eram títulos de livros estrangeiros em varias línguas, sobretudo inglês, francês e espanhol. Todos os clientes estavam mudos praticamente. Não sabia quem era atendente ou quem era cliente. Em seguida, desci ao subsolo por uma pequena escada. Lá, é a seção de livros sobre línguas. Havia algumas pessoas examinando livros aqui e ali, também em silêncio. No balcão, uma funcionaria de meia idade atendia a uma jovem senhora que estava comprando títulos de livros didáticos de francês. Outra funcionária ou gerente, não sei, estava anotando ao telefone possivelmente pedidos de clientes. Ninguém mais pra atender-me.
Senti-me meio rejeitado esperando que uma ou outra me chamassem. Esperei alguns minutos. Veio, então, a funcionária mais idosa, que ia passando, e eu a abordei perguntando-lhe pelo título que trouxera de casa escrito numa tira de papel com o nome do autor, obra e editora.
Era um título sobre história da literatura inglesa. “Esta não temos mais. Iiiih!... Faz muito tempo não vendemos mais”, adiantou-me ela. Decepção! “Como não tem?” dissera com meus botões Não era possível! Gostei tanto de outra obra do mesmo autor, Peter B. High, que com ela formava uma sequência. O pior foi que a funcionária mais idosa antes havia dito a alguém por perto que aquela filial da Martins estava fechando, naquele dia mesmo, as portas daquele endereço privilegiado em plena Av. Rio Branco. Iriam mudar para o Leblon, um dos bairros mais nobres da Zona Sul carioca. Meu Deus, quem, como eu, conheceu a filial que, por um bom tempo, primeiramente, se instalou tão bem na rua da Sete Setembro, nunca iria ouvir um a notícias dessas.
Quando a Martins Fontes estava na rua Sete de Setembro (era mesmo Sete de Setembro ou outra rua conhecida ali pertinho?). Agora quem está incerto sou eu. Deixa pra lá. A verdade, é que essa livraria, na parte de livros didáticos, de linguística, e de literatura em línguas estrangeiras, principalmente inglesa, era excelente. O atendimento era de primeira qualidade. Por falar em atendimento, caiu para quase zero o atendimento agora! Os professores eram bem-recebidos, bem tratados. Havia uma sala especial onde podíamos examinar à vontade os livros e até esboçar um leitura do primeiro capítulo. Agora, nada? O que está havendo com as livrarias do Rio, ou pelo menos com esta livraria?
Disse-me um livreiro que já está chegando ao Rio a livraria Cultura ( ou Cultural?, novamente a dúvida do nome certo) e vem com toda a força e que ficará na Cinelândia, coração desta cidade. Vamos torcer para que tenha êxito. Na Cinelândia, por muitos anos funcionou uma livraria das Edições de Ouro, hoje Ediouro, que frequentei muito. Dava praticamente para a Praça da Cinelândia (oficialmente Praça Floriano), mas a entrada era por uma das ruazinhas transversais entre a Praça e a rua Senador Dantas.
Foi lá que ouvi informações sobre um poliglota conhecido pelo pseudônimo de Pandiá Pându. Eu mesmo o conheci pessoalmente. Ele era autor de pequenas obras, editadas pela citada Edições de Ouro, sobre línguas estrangeiras, principalmente, inglês, e era esperantista de mão cheia. Conhecia ainda o sânscrito. Para o ensino do esperanto, publicou uma volumosa obra que ele mesmo me mostrou. Pandiá Pându era sargento da Aeronáutica. Uma vez o vi fardado e me dirigi a ele em inglês. Não sei como conseguiu estudar tantas línguas, pois me parece tinha poucos recursos.
Geralmente, quando o via, estava acompanhado de mulheres altas e, pela aparência física, eram estrangeiras. Pandiá era um baiano alto, mulato, de boa aparência, feições sérias. Outra vez, o vi discursando em inglês e, logo em seguida, em russo em frente ao Consulado Americano. Um conhecido, que nunca mais vi, me falara que, numa época, Pandiá estava em polêmica com o grande tradutor e ensaísta húngaro Paulo Rónai. Também não sei se isso aconteceu. Num prefácio a um livro de Pandiá, o autor refere que ele falava àquela época – anos sessenta -, pelo menos sete línguas “com relativa facilidade.” Pandiá, que era baiano, faleceu ainda jovem, não tinha ainda sessenta anos. Até hoje, não sei o seu verdadeiro nome e outras informações mais detalhadas de sua trajetória de autor, de como se deu sua formação intelectual, sobretudo no campo da aprendizagem de línguas..
A outra livraria visita foi o sebo da São José, agora dirigida pelo Germano. Sou,, como já disse alhures, um fiel e antigo frequentador desse sebo. Toda vez que vou lá não deixo de levar alguma obra antiga que não havia lido. Sinto-me em casa quando estou na São José, que já foi editora no tempo do famosos livreiro Carlos Ribeiro, no tempo em que ficava na rua São José , livraria e editora onde faziam ponto de encontro famosos escritores brasileiros de um passado não tão remoto assim. Editora, livraria de sebo, passou por outro endereço também no Centro e hoje se encontra na rua Primeiro de Março. Sãs instalações, em prédio velho, porém confortáveis, atraem ainda muita gente apreciadora de cultura. O sebo também vende livros novos. Em várias áreas: literatura, filologia, línguas, artes, ciências sociais, filosofia, direito ( parte forte dela) , livros didáticos esgotados etc.
O Germano me afirmou que vai levando o seu negócio de livros, com dificuldade sim, mas não desistindo a fim de continuar mantendo o bom nome da velha livraria carioca. Oxalá que ela tenha ainda longa vida .

Atritos entre críticos e autores brasileiros contemporâneos

Cunha e Silva Filho

De um debate realizado entre dois críticos bem conhecidos, Alcir Pécora e Beatriz Rezende, realizado no blog de Instituto Moreira Salles, resultou um longo artigo, “A hipótese da crise”, de Pécora publicado, na primeira página do Caderno Prosa & Verso do Globo do dia 23 deste mês e concluído na página 3. Nesta mesma página ainda se publicou um artigo de Miguel Conde, editor-assistente daquele Caderno,“Acusados de compadrio, autores se desentendem com críticos.”
O artigo de Pécora, professor de teoria literária da Unicamp, desdobra a discussão iniciada no mencionado blog, em torno da situação da literatura brasileira contemporânea, sobretudo dos autores mais novos e em particular do nível de valor de parte dessa produção. Para Pécora, a produção ficcional não vai bem, carece de novas formas de exprimir a vida em termos de arte narrativa.
Pécora, entretanto, ao referir-se à arte ficcional, descarta a possibilidade da validade do “romanesco” tendo como parâmetro o que fazia a literatura universal do século 19. Pondera que, a esta altura de novas experiências da vida contemporânea, em que outros meios de comunicação ocupam o que os escritores daquele século representavam como formas de fabulação de estofo realista, já não mais comportam aquele tipo de narrativa.
Ou seja, ao que percebo, para ele o chamado “enredo”, como reprodução da realidade, até mesmo com tintas mais radicais, como ocorreu com o Naturalismo, levando ao extremo a preocupação de retratar a realidade física, moral e psicológica dos personagens da narrativa fundamentada nas leis da ciências físicas e biológicas da época, está fora de cogitação para os tempos cibernéticos de hoje.
Para o critico da Unicamp, a narrativa atual no país, sobretudo a rotulada de “geração 90”, não está produzindo literatura que realmente ofereça novos caminhos originais que valham a pena ser chamados de ficção entendida como expressão de competência de composição ficcional, de originalidade na tratamento da linguagem e de formas diferentes de pensar a literatura. Sabe-se que literatura é técnica – ele mesmo o afirma -, é ter consciência do seu artesanato. Isso, porém, não é tudo no domínio literário, seja em ficção seja em poesia. Não só os componentes estratégicos do arcabouço do gênero erigem o objeto ficcional. Há outras camadas tão e por vezes mais importantes do que a técnica: a infusão dos sentidos com toda a sua capacidade de, através da linguagem, dar vida ao objeto ficcional ou poético. Sem vida, não há linguagem e vice-versa. São interdependentes, partes da mesma moeda, fusão do abstrato na apreensão da existência e seus conflitos com o concreto, a linguagem humana no sentido em que a ciência linguística a entende.
A função do crítico deve ser cautelosa e segura, assim como imparcial. Não significa, por outro lado, que seja transigente com a mediocridade e o desvalor. Deve servir de orientador, completar a visão do leitor comum que lê literatura, da mesma maneira que não deve ser só destrutiva, como diria Álvaro Lins (1912-1970). Julgar demanda paciência, tempo e distanciamento. Nada de generalizar, o que é prematuro e arriscado para quem lida com a crítica.
Clareza sem superficialidade seria um exemplo da boa crítica. Há textos críticos que deixam outros indivíduos que militam no mesmo ofício em dúvida no tocante a enunciados tendentes a hermetismos.
Pécora afirma que muitas vezes se sente melhor lendo teóricos. É uma opção dele. Contudo, a crítica como atividade de julgamento só cresce com o pé no eixo teoria-literatura. Sem isso, perde sua razão de ser porque ela não vive da teoria pela teoria. A literatura até poderia viver sem os críticos, embora estes lhe sejam importantes, complementares, parte de um todo na captação do fenômeno literário.
Pécora ainda assinala que a literatura brasileira contemporânea está pobre. Segundo ele, o fenômeno artístico de escrita é “competitivo.” Da minha parte, diria, que os escritores, à semelhança do que ocorre no campo poético, sofrem da “angústia da influência” de que fala Harold Bloom. Sim, é certo, mas disso os escritores devem estar conscientes, sem recalques, é claro, porque, do contrario, logo deveriam desistir da tentativa da opção literária.
Assisti também ao vídeo apresentado no blog do Instituto Moreira Salles, que deu início a essa “quase” polêmica”. Verifiquei que a ensaísta Beatriz Resende, que, aliás, foi minha professora no mestrado, mais preocupada está com a questão da literatura “nacional’, velha questão várias vezes discutida até por ensaístas e críticos do passado, sendo um deles Afrânio Coutinho (1911-2000). Beatriz Resende mostra preocupação com o que se poderia chamar de caráter nacional da literatura brasileira, levantando algumas indagações: Como os nossos ficcionistas resolveriam o delicado problema de uma escritura narrativa em tempos em que é muito forte a influência de tantos modos de expressão literária vindos de fora do país e mesmo de autores de origens diversas? Seria ainda lícito afirmar que ainda existe literatura nacional na época em que vivemos, tão contaminada de novos meios de comunicação trazidos pela globalização no seu aspecto cibernético? São indagações difíceis de serem respondidas de forma pronta e imediatista.
O artigo de Miguel Conde dá conta desse debate entre aqueles dois críticos e nos informa que a discussão em pauta resultou na reação de escritores contemporâneos: Marcelino Freire, Sérgio Rodrigues, João Paulo Cuenca etc, rebatendo tanto as opiniões de Pécora quanto as de Beatriz Resende. Esta, por seu turno, bastante aborrecida com a repercussão que teve o debate, chegou a dizer, através do Facebook, que deixaria de dar continuidade às suas pesquisas sobre autores ficcionista contemporâneos: ‘Me enchi desses autores contemporâneos. Vou voltar para o velho Lima, Machado, Guimarães Rosa. Não tem erro e não chateiam ninguém. Se quiser ser moderna, falo de Sarah e outros mortos que já sossegaram o ego’. Acredito que não fará isso. Deixou escapar estas palavras num momento de desabafo. Sei que é uma pesquisadora séria e competente.
Penso que dos dois lados há deficiências de comportamento. Só o tempo ensinará a ambos os lados uma forma de convivência cordial. Quantas autores foram entusiaticamente louvados na sua estreia, nos vários gêneros, e hoje não passam de ilustres desconhecidos. Basta ver um livro, 22 diálogos sobre o conto brasileiro (1973). de Temístocles Linhares, crítico e historiador literário, nascido no Paraná, em 1905 crítico que já teve grande prestígio. Vários críticos do passado mais remoto ( a conhecida dupla Sílvio Romero e José Veríssimo), ou menos remoto, não viram confirmadas no futuro seus julgamentos de louvores ou de detrações de autores. A história literária está cheia desses exemplos.

Literatura: declínio da crítica literária?

Cunha e Silva Filho

Leitores mais antigos, como eu, há tempos vêm se habituando a algumas notícias sobre gêneros literários, notícias nada alvissareiras, em particular anunciadoras da morte da poesia, que seria uma heresia tremenda. Agora, leio na Folha de São Paulo (caderno Ilustríssima, literatura, 17/04/2011, p. 6, ilustração de Paulo Monteiro) uma parte, a quarta, de título “O piano” – narrar, representar, interpretar (trad. de Paulo Werneck, de um diário de Ricardo Piglia, ficcionista argentino estabelecido nos EUA na condição de professor da Universidade de Princeton. Nessa parte, Piglia, por sua vez, anuncia o “sumiço” da crítica literária, gênero que teve ( e eu diria ainda tem em várias partes do mundo) eminentes cultores, alguns nomeados por ele como Iuri Tiniánov ( 1894-1943) Franco Fortini (1917-1994), Edmund Wilson ( 1895-1972) Ainda segundo Piglia, a crítica literária tem sido “.. mais afetada pela situação da literatura.”
Essa tradição de crítica para ele já foi um espaço de referência nos debates públicos voltados para o que denomina “ construção de sentido de uma comunidade”
Por outro lado, Piglia assinala com ênfase que as vozes de interpretação literário-crítica de hoje se encontram nas mãos de historiadores renomados, tais como Carlo Ginzburg, Robert Darnton, François Hartog ou Roger Chartier. Piglia conclui palidamente, nessa página do diário relativa cronologicamente a uma “terça-feira,” que os citados historiadores tomaram como matéria de estudos a “leitura dos textos,” que se torna “um assunto” do passado ou do estudo do passado.”, circunstância que, todavia, não lhes diminui o peso valorativo de seus trabalhos relacionados a assuntos literários e culturais em geral, porém voltados notadamente ao passado.
As assertivas de Piglia me soam um tanto ambíguas, sobretudo porque nesse mesmo trecho do diário, ao declarar ser a crítica o gênero “mais afetado pela situação atual da literatura” (grifos meus), ele não explicita adequadamente sobre que “situação atual” está falando, assim como não faz a necessária mediação entre produções de historiadores modernos e crítica literária. Deixa, assim, no ar as divisões de esferas de atuação de escritas e temas diferentes, não obstante conectadas ao passado.
De qualquer maneira, o que se tem visto de estudos atualmente no gênero da crítica e do ensaio literários são autores oriundos de campos especializados fora do eixo central da literatura, i.e., os historiadores passam a exercer uma função crítica de uma área cultural para a qual em tese não tiveram preparação teórica estrita, que se resumiria no aprofundamento de disciplinas específicas e que demandam tempo prolongado e “treinamento” apropriado, para usar um termo de Terry Eagleton, dos alunos de literatura por parte de seus professores, sobretudo nas técnicas de análises de poemas.O crítico literário, por sua vez, não pode exercer sua atividade sem seguros conhecimentos das disciplinas teoria literária, ciência da literatura,, poética, história literária, linguística, filologia, gramática, línguas clássicas e línguas modernas. São elementos vitais ao estudos de letras que, sem elas, a competência do estudioso se torna, ipso facto, incompleta
O mesmo procedimento estender-se-ia aos textos ficcionais, estes talvez os mais procurados pelos críticos-historiadores dadas as relações mais íntimas entre a narrativa histórica e a narrativa ficcional. Com uma situação análoga se depararia o crítico literário ao defrontar-se com a matéria prima dos historiadores. Ainda haveria oura possibilidade, ado historiador pesquisando o chamado romance histórico, conhecido também como ficção de extração histórica, filão de estudos literarios muto pesquisado ultimamente nos curso de literatura. Deste último exemplo, as visões dos historiadores e dos cxríticos seriam bem férteis ao lidarem com esta matéria.
Não se queira inferir que estou tentando afirmar ser impossível – como na prática não o é -, com tantas exceções de bons críticos literários terem sido também autores de obras históricas, como no país, foram Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), o general Nelson Werneck Sodré (1911-1999), Álvaro Lins (1912-1970) e outros. Neste sentido, há ainda outras situações, a de escritores-ficcionistas que escrevem romances históricos, assim como historiadores que escrevem ficção, por exemplo, no passado, Rocha Pombo (1857-1933).
Poder-se-ia incluir algumas outras situações isoladas, como a do romancista-crítico, do romancista-poeta-crítico, situações que, de resto, não são decorrentes dos dias de hoje apenas, pois sempre houve escritores com talentos polimorfos capazes de atuarem em diversos gêneros literarios. Enfim, existem ainda aqueles intelectuais formados em áreas dissociadas do campo da literatura, mas que, com o tempo, fizeram opções para este campo, ou por estudos independentes (caso do citado Álvaro Lins, formado em direito, mas dedicou-se a lecionar literatura (Colégio Pedro II e em Portugal) e exerceu a crítica literária, além de ter sido diplomata), ou porque realizaram cursos até fora do país, como ocorreu com Afrânio Coutinho (1911-2000), primeiro formado em medicina, e depois se tornando professor do ensino médio (Colégio Pedro II) de literatura e, em seguida, fez cursos na Universidade de Colúmbia De volta ao Brasil, tornou-se professor titular de literatura brasileira da Universidade do Brasil, hoje UFRJ., com Fábio Lucas, formado, primeiro, em economia e, pela vida afora, dedicou-se à crítica literária, tendo sido também professor no país e no exterior. Alguns outros exemplos semelhantes se poderiam mencionar.

Uma diferença, no entanto, é clara, a qual separa os dois extremos, historiadores-críticos e críticos-historiadores, tanto estes quanto aqueles, para serem bons, devem se munir de abordagens críticas que terão maior validade a partir de sua formação específica, num caso o instrumental interpretativo da disciplina história e de áreas afins; no outro, o do conhecimento literário, de preferência com aparato formal, ou seja, de domínio da teoria literária e de áreas afins. A questão que se põe se assenta no predomínio do estritamente literário ou do estritamente histórico. Ambos, entretanto, operacionalizados sem clivagens radicais.
Não intento afirmar, com isso – é preciso reiterar -, que a formação universitária e pós-universitária na área de letras vá prescindir do inestimável suporte interdisciplinar. Longe disso. Áreas de extrema importância ao estudioso de letras como história, filosofia, sociologia, antropologia, entre outras, só haverão de ampliar a formação integral do especialista.
Bem podem ser até excelentes as produções de obras sobre ficção escritas por competentes historiadores. No entanto, a “leitura” destes não pode ser comparadas às investigações de críticos e de grandes ensaístas com ampla e sólida formação no domínio especificamente literário.
A visão crítica do historiador, ao se debruçar sobre escritores de ficção, gênero mais aproximado, segundo já ressaltei, da disciplina história, porém dificilmente alcançado pelo gênero poético na práxis da análise de poemas, pode seguramente atingir dimensão de leitura bem originais e fecundas, mas não chegarão a preencher plenamente os objetivos visados pelos estudiosos da literatura, exceto se o historiador também tiver formação acadêmica avançada em cursos de letras.
Destarte, não vejo o anúncio do “sumiço” da crítica literária do ângulo generalizado do ficcionista argentino. Ele exagerou na generalidade.ou, por outra, simplificou demais a complexidade da questão.
Por certo, na atualidade, sinal dos tempos, qualquer domínio, seja humanístico, seja científico-tecnológico, atravessa impasses, crises, tensões e problemas de identidade.
No país e no mundo há grandes críticos, no passado e no presente, assim como ensaístas. Os estudos dos gêneros literários, a genologia, não estão atualmente sendo tão discutidos quanto às suas especificidades e fronteiras? Nem por isso julgo que desaparecerão dos domínios da literatura. Se algumas espécies se extinguiram com o tempo, outras nasceram, se transformaram, ou surgiram, como o romance, a novela, a peça teatral, o poema, embora tendo sofrido mudanças estruturais no tempo, ainda são perfeitamente discerníveis aos olhos do presente no que tange aos seus traços, fisionomias e singularidades.
Obviamente, o texto ficcional e o poema da nossa contemporaneidade – e aqui me reporto ao século atual da sua primeira década -, não podem nem devem ser decalcados , sob pena de se tornarem anacrônicos, na tradição mais remota ou mesmo remotíssima. Os casos isolados de experimentações metaficionais ou metapoéticas, no eixo diacrônico são compreensíveis do ângulo mimético-experimental, válidos como tentativas de recriações de ordem lúdica, de saudáveis experiências com a linguagem., ou como formas de sondagens do fenômeno da criação literária.
À crítica literária, para não perder o bonde da história ( sem propósitos de trocadilhos), cabe a atenta revisão e atualização dos seus métodos e abordagens ou de preferências de correntes interpretativas do fenômeno literário, sem no entanto, perder sua função primordial, a de procurar ler melhor a obra literária servida de um instrumental teórico atualizado, aberto e sem perder tampouco o zeitgeist – o tempo presente naquele sentido que lhe deu Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) em conhecido poema.
Presente este com a sua variada e múltipla contribuição advinda das novas formas de construção de sentidos e imagens e, portanto, de entender o mundo que nos cerca, bombardeado pelos novos meios eletrônicos de comunicação, cujas mudanças mal acompanhamos perplexos: a internet, as redes sociais, com suas virtudes e defeitos ou mesmo males, nos seus variados modelos, a planetarização da informação, os diverso meios de sintonia com um Planeta globalizado e ao mesmo tempo conturbado com violações e misérias de toda sorte.
A crítica literária não está fora desse contexto de complexidades, muitas vezes irritantes para quem vai adentrando os anos de existência.A crítica literária não “sumiu.” Está presente. Basta ter olhos mais humildes para encontrá-la em muitos quadrantes, muitas latitudes, longitudes, temporalidades e escalas de valores. Não importa, existe.