domingo, 8 de maio de 2011

Ao prezado Nelson TangeriniI

Nelson Tangerini

Em setembro de 1980, iniciei uma pequena correspondência com o modernista Carlos Drummond de Andrade. A princípio, estava mais interessado em Mário de Andrade, em Oswald, em Manuel Bandeira e em assuntos ligados ao Modernismo. Nem me passou pela cabeça “tietar” o poeta itabirano. Sou desorganizado, um péssimo missivista, e não sei precisar o dia em que lhe escrevi minha primeira carta. Nem guardei cópia da referida missiva.
Sei apenas que enviei a Drummond alguns sonetos do meu pai e alguns poemas meus. Como não consigo lembrar-me dos meus poemas enviados ao “poeta maior”, publico apenas os dois sonetos de Nestor Tangerini, meu pai. “Cenas do Rio” foi o primeiro trabalho de Tangerini publicado em letra de forma e lançado por Humberto de Campos, a 18/3/1922, em centro de página da revista “A Maçã”, que o magnífico e saudoso Acadêmico e beletrista maranhense dirigia sob o pseudônimo de Conselheiro XX. O soneto, dedicado ao amigo Luiz Leitão, um poeta satírico de Niterói, RJ, mostra-nos claramente uma poesia parnasiana com intenções modernistas.

“CENAS DO RIO

Certa dama estava em paz
no ponto, esperando o bonde,
quando se chega um rapaz,
a quem, zangada, responde:

Deixe-se, moço, de graça!
Insiste o moço: - Onde mora?...
- Meu Deus! Que horror!
- Que desgraça! Se vem meu marido agora!...

E a dama, que o caso teme,
diz-lhe, logo, ansiosamente:
“Me” deixe... Moro no Leme...

“Me” deixe!... Sou dona Ivete...
moro à rua São Vicente...
- “Me” deixe... No trinta e sete...”

“QUANDO ELA PASSA

Quando Ela passa, de sombrinha clara,
essa da Moda, esplendorosa Estrela,
pára o automóvel, pára o bonde, pára
o mundo inteiro: todos querem vê-la..

E todo mundo, estático, escancara
os olhos grandes, que se aumentam pela
vontade de envolver-lhe a forma rara
num desejo malvado de comê-la...

E a deusa passa... E passa – indiferente,
sem medo de que o mundo se desabe...
bailando as curvas, desmanchando a gente...

E a gente fica a interrogar-se, à-toa,
como, em dois dedos de vestido, cabe
uma porção de tanta coisa boa!...”

Dias depois, sem que eu esperasse, uma cartinha de Carlos Drummond de Andrade repousava em minha caixa postal. Jamais pude imaginar que o poeta me escreveria. Não me contive. Ali mesmo, na Agência Central, Av. 1o. de Março, afoito, abri o envelope e li sua amável missiva:

“Rio, 28 de setembro, 1980.

Ao prezado Nelson Tangerini.
Com um abraço, meu agradecimento pela remessa de seus poemas e de alguns textos poéticos de seu pai, tão justamente lembrado pelo carinho filial.

Carlos Drummond de Andrade”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário